O diagnóstico de câncer de mama é um marco na vida de qualquer mulher. Ele mobiliza medos, exige decisões rápidas e impõe desafios físicos e emocionais profundos. Mas, após o fim da quimioterapia, da radioterapia ou da cirurgia, começa uma outra jornada — menos falada, porém igualmente importante: a de reconstruir a vida, a autoestima e a sexualidade.
Cada vez mais, especialistas em oncologia, ginecologia, fisioterapia e psicologia reconhecem que a qualidade de vida após o tratamento é parte essencial da cura. Isso inclui olhar com cuidado e respeito para questões frequentemente silenciadas, como a sexualidade, a imagem corporal e as mudanças hormonais que afetam o bem-estar das mulheres. Mais de 75% das mulheres submetidas a tratamento oncológico apresentam algum tipo de disfunção sexual.
Os efeitos colaterais dos tratamentos para o câncer de mama — como a mastectomia, radioterapia e hormonioterapia — podem causar:
- Menopausa precoce, com ondas de calor, irritabilidade e secura vaginal
- Lipoatrofia vaginal (afinamento da mucosa), que causa dor durante o sexo (dispareunia)
- Redução da libido e da excitação sexual
- Alterações na imagem corporal e na percepção da feminilidade
- Medo da rejeição ou dificuldade de se sentir desejada novamente
Essas mudanças podem abalar profundamente a vida afetiva e sexual, gerando insegurança, vergonha e até isolamento. Falar sobre isso com naturalidade e acolhimento não é um detalhe — é uma parte indispensável do cuidado oncológico.
É fundamental que os médicos e demais profissionais de saúde não esperem a paciente levantar o assunto. Cabe à equipe assistente perguntar ativamente sobre sintomas e preocupações relacionadas à sexualidade, autoimagem, desejo e dor — e oferecer orientação, encaminhamentos e soluções adequadas. A omissão, mesmo que involuntária, pode perpetuar o sofrimento silencioso.
A American Cancer Society e o National Cancer Institute reforçam: falar sobre sexualidade é um dever da equipe de saúde durante o acompanhamento oncológico. Isso faz parte do conceito de “survivorship care” — o cuidado contínuo após o tratamento, que visa garantir não apenas a sobrevida, mas o bem-estar integral da paciente.
Estudos mostram que mulheres que recebem apoio psicológico, ginecológico especializado e fisioterapia adequadatendem a se adaptar melhor à nova fase. Diversos centros já aplicam protocolos de reabilitação integrados, que podem incluir:
- Exercícios para o assoalho pélvico, que ajudam no controle urinário, na lubrificação e na resposta sexual
- Terapia ocupacional e grupos de apoio, que auxiliam no resgate da autoestima e no enfrentamento das mudanças corporais
- Aconselhamento psicológico e terapia sexual, individual ou em casal, criando espaço seguro para lidar com medos, angústias e redescobrir formas de prazer
Essas estratégias não são supérfluas — são instrumentos fundamentais para restaurar dignidade, autonomia e bem-estar.
A sexualidade não precisa — e nem deve — ser deixada de lado após o câncer. Mesmo que o corpo tenha mudado, o prazer, o toque e a intimidade continuam possíveis, muitas vezes em novas formas, mais livres e conscientes. Com tempo, cuidado e apoio, muitas mulheres relatam uma redescoberta de si mesmas e de sua sexualidade, agora sem pressões externas, com mais conexão com seus próprios desejos.
Falar sobre isso é o primeiro passo. E esse convite precisa partir também dos profissionais de saúde.